Excelente artigo postado no site Carta Forense sobre a reforma previdenciária produzido pela Drª Zélia Luiza Pierdoná, uma professora que eu tive na Pós de Direito Previdenciário.
Reforma Previdenciária - Importantes Reflexões
Quanto a população brasileira quer gastar em previdência social? Essa é a analise que precisa ser feita quando se discute a necessidade de reforma
A discussão não é de quebra da previdência, mas de quanto a população brasileira quer gastar com a previdência social. Os recursos públicos são limitados e gastar boa parte deles apenas com as políticas previdenciárias significa não ter recursos para outras políticas, tão ou mais importantes que a previdenciária, como as políticas de saúde e de educação.
Segundo dados do Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal, em 2015 a União gastou somente com benefícios do Regime Geral de Previdência Social (administrados pelo INSS), mais de 430 bilhões de reais. Se somar o referido valor com aqueles gastos com o seguro desemprego (que também é benefício previdenciário - art. 201, III, da CF), a soma ultrapassa 470 bilhões. Ainda, se incluir os benefícios previdenciários dos servidores públicos federais (civis e militares) que ultrapassaram 100 bilhões (65 com civis e 35 com militares), os gastos federais, em 2015, apenas com previdência social superaram 570 bilhões de reais.
As contribuições dos servidores civis foram de 9 bilhões (ativos) e de 2,5 bilhões (inativos). Somando-se a parte da União, que corresponde a duas vezes as contribuições dos servidores (23 bilhões), o déficit é de aproximadamente 30 bilhões. Já as contribuições dos militares para as pensões representaram 2,65 bilhões que, somando-se a parte da União, para efeito de comparação, totaliza menos de 8 bilhões, resultando em um deficit de 27 bilhões. Dessa forma, em relação à proteção dos servidores civis e militares, em 2015, o déficit ultrapassou 57 bilhões. Ressalta-se que não há contribuições dos militares federais para suas reformas e que o número de servidores é muito inferior aos civis.
Para se comparar os valores gastos com previdência, segundo o mesmo relatório, a União gastou 74,5 bilhões com assistência social e 111 bilhões com saúde (de caráter universal). Dessa forma, analisando apenas os gastos com as áreas integrantes da seguridade social (previdência, saúde e assistência), a União, em 2015, gastou 755,5 bilhões.
Assim, se hoje, com os dados demográficos atuais, o Brasil está gastando tanto com previdência, quanto não gastará em 20 ou 30 anos, quando as estimativas demonstram que haverá, proporcionalmente, uma população bem maior de idosos, em razão do aumento da longevidade e da redução da natalidade?
Além disso, se os gastos com previdência são tão significativos, pouco sobra para as outras áreas da seguridade social, especialmente para a saúde, que é dirigida a todos os brasileiros. Dessa forma, a reforma da previdência deve ser inserida dentro das necessidades/recursos do sistema de seguridade social como um todo.
Também para efeitos de comparações, saindo das áreas componentes da seguridade social, em 2015 a União gastou com educação em torno de 100 bilhões. Assim, as perguntas que devem ser feitas são: quanto queremos gastar com previdência? Os gastos com a citada política podem ou não comprometer a efetividade de outras políticas, dentro e fora do sistema de seguridade social?
Nesse sentido, registra-se que, com base no relatório já citado, a União arrecadou 444 bilhões de reais em impostos (excluindo-se os repasse constitucionais) e 756 bilhões em contribuições sociais, das quais, no mínimo, 730 bilhões são de seguridade social (previdência, saúde e assistência). Entretanto, os gastos da União não são só com seguridade social, pois há muitas outras políticas a serem implementadas, como educação, segurança, moradia e o contribuinte é um só: o mesmo que paga impostos, paga contribuições de seguridade social. Assim, considerando-se a receita tributária, excluindo as contribuições sociais, a União teria menos de 500 bilhões para todos os demais gastos, inclusive para o pagamento de pessoal.
Registre-se que a situação dos estados e dos municípios não difere muito, uma vez que, os gastos com o pagamento de pessoal e com a previdência dos servidores têm consumido boa parte dos recursos, dificultando a efetivação de outras políticas sociais.
Diante desse quadro, a reforma da previdência não deve ser uma preocupação deste ou daquele governo, deste ou daquele partido político. Deve ser uma política de Estado, pois interessa a toda a sociedade, não somente em razão da necessidade de sustentabilidade futura da previdência social, como também para a garantia de recursos que efetivamente possibilitem a universalidade da saúde, educação de qualidade para todos, assistência aos necessitados, segurança, dentre outras políticas públicas necessárias.
Ainda diante do quadro acima, seria uma irresponsabilidade do Estado brasileiro pensar em reformar a previdência apenas para os trabalhadores que ingressarem no mercado de trabalho após as mudanças. Isso porque haveria repercussão apenas depois de 30 anos, ao menos no que tange à aposentadoria por tempo de contribuição. A situação brasileira, de forma alguma, pode esperar todo esse tempo.
Registre-se que as mudanças não podem se restringir ao âmbito constitucional da previdência social, devem também alcançar a legislação infraconstitucional, garantindo, aos que estão no meio do caminho, regras de transição proporcionais ao tempo de trabalho já exercido, tratando de maneira diferenciada aqueles que estão próximos à aposentadoria, daqueles que estão apenas iniciando sua vida laboral. Ainda, não é só a aposentadoria por tempo de contribuição que precisa de mudanças. A legislação dos benefícios por incapacidade tem estimulado a busca de benefícios, uma vez que os trabalhadores, muitas vezes, recebem mais de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez do que de remuneração do trabalho. Também, não se justifica a ausência de contribuição dos militares federais para as suas reformas.
Além disso, não é só a previdência que precisa ser repensada, pois o benefício assistencial de um salário mínimo tem desestimulado o recolhimento para a proteção previdenciária futura.
Enfim, a reforma na previdência social é necessária para garantir a efetividade da equidade intergeracional, protegendo não só os atuais beneficiários como também os futuros, bem como para garantir recursos também para outras políticas sociais tão importantes quanto a previdência social.
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